Tendo em vista a importância da prova pericial dentro do processo de
conhecimento, necessariamente deve haver um entendimento sobre o que vem a ser
a perícia documentoscópica e sobre sua valoração. A documentoscopia, como
gênero, é parte da criminalística que estuda os documentos em todos os seus
aspectos e componentes, com o objetivo da comprovação de sua autenticidade ou
de sua autoria.
Dentre as diversas espécies, tem-se: a datiloscopia, que estuda e aplica o método de identificação através
dos desenhos e impressões digitais humanas; a mecanografia, que estuda as impressões das escritas reproduzidas
mecanicamente; a primazia de lançamentos,
que através dos fenômenos perturbatórios ocasionados pelo cruzamento de dois
registros de tinta, detecta-se qual dos dois lançamentos sobreveio ao outro,
que usualmente, também, é utilizado para verificar se um documento foi assinado
em branco; e a grafoscopia,
que estuda a escrita com o objetivo da comprovação de sua autenticidade ou de
sua autoria, que advém da grafologia, que
é um capítulo da psicologia que estuda as características da personalidade
através da escrita.
A prova pericial sobrevém como um meio idôneo para suprir a ausência de
conhecimentos técnicos especializados do julgador ou quando detenha algum
conhecimento sobre a matéria. A perícia é o meio probatório onde perito
esclarece o fato descrevendo o seu estado atual, invocando a ciência para
elucidá-lo. Dentro do campo pericial, tem-se a documentoscopia
que trata do exame de documentos.
A documentoscopia reúne técnicas e
conhecimentos científicos encerrando como fim a pesquisa, a narrativa, a
criação, a combinação e o emprego de documentos de qualquer natureza. Estuda o
documento em todos os seus aspectos e componentes, com o objetivo da
comprovação de sua autenticidade ou de sua autoria. Segundo JOSÉ DEL PICCHIA
FILHO[1] ela pode ser assim definida:
DOCUMENTOSCOPIA OU DOCUMENTOLOGIA - é a disciplina relativa à aplicação
prática e metódica dos conhecimentos científicos, objetivando verificar a
autenticidade ou determinar a autoria dos documentos.
Surgiu e criou corpo
dentro da "CRIMINALÍSTICA", que cogita do reconhecimento e análise
dos vestígios extrínsecos relacionados com o crime ou com a identificação de
seus participantes. Por seu lado, esta última se desmembrou da "MEDICINA
LEGAL", restrita, agora, ao exame e análise dos vestígios intrínsecos do
corpo humano (da pele para dentro).
[...]
A "Documentoscopia" como conjunto de conhecimentos
técnicos metodicamente aplicados à solução de problemas específicos, constitui disciplina moderna. Surgiu nos dias atuais,
existindo, ainda, países em que ela não é exercida cientificamente.
Apesar de o autor considerar a documentoscopia uma disciplina moderna, há registros na
antiguidade ao que se refere às perícias para determinar a falsidade dos
documentos, ou mesmo, sobre perícias para determinar a autoria de uma escrita.
De fato, nesses registros históricos, não denotavam qualquer base científica
para a solução dos casos, que eram solucionados por meio de fantasias, de
crendices, do sentimento instintivo e do empirismo, dominantes à época.
Com o passar dos tempos e devido à importância
crescente dos documentos, a documentoscopia foi se
tornando preponderante e não mais era possível dela se afastar. Teve pujança a
partir do desenvolvimento e aperfeiçoamento do processo fotográfico. Com a
fotografia, as experiências científicas foram tomando corpo e novas técnicas
foram sendo descobertas. O progresso vem sendo extraordinário com os meios
técnicos de exames, que proeminentemente progridem. Hodiernamente a perícia documentoscópica é orientada por normas científicas, nada
mais havendo com o empirismo de outrora.
Dentre a perícia de documentos temos a perícia
grafotécnica, de grande valor em particular. Teve seu desenvolvimento a partir
da grafologia, também ingressada no terreno científico, que está intrínseca no
ramo do saber concernente a psicologia. A grafologia estuda as características
da personalidade através da análise da escrita, do manuscrito natural,
registrado em condições normais. Estuda cientificamente a escrita com o
objetivo do levantamento do modo de expressão do indivíduo, com os exames das
tendências morais, intelectuais e artísticas. A partir do século XIX a grafologia foi impulsionada e vem evoluindo até a
atualidade devido à seriedade e empenho dos mais ilustres estudiosos, que se
aplicaram em suas pesquisas, analisando minudentemente
as escritas e expondo seus resultados, comprovando sua eficiência científica.
Sendo a grafologia a precursora da grafoscopia,
embora com objetivos diferentes, foi natural a herança de certos aspectos
básicos observáveis nas escritas.
A grafoscopia, também
conhecida como grafotecnia, grafocinética
ou grafística, é o conjunto dos recursos técnicos
para o estudo da escrita. É a parte da documentoscopia
que trata dos exames do grafismo com o objetivo da verificação e comprovação da
autenticidade gráfica e da autoria gráfica dos escritos. Conforme CARLOS
AUGUSTO PERANDRÉA[2], a grafoscopia pode
ser definida:
[...] como um conjunto
de conhecimentos norteadores dos exames gráficos, que verifica as causas
geradoras e modificadoras da escrita, através de metodologia apropriada, para a
determinação da autenticidade gráfica e da autoria gráfica. Dois são, portanto,
os objetivos da grafoscopia:
• exames para a
verificação da autenticidade, que podem resultar em falsidade gráfica ou
autenticidade gráfica;
• exames para a
verificação da autoria, aplicáveis para a determinação da autoria de grafismos
naturais, grafismos disfarçados e grafismos imitados.
Como reputado, a grafoscopia tem como objeto a
realização de exames para comprovar se a assinatura é autentica e ou para
determinar quem é o autor dos escritos. Para os exames, em ambos os casos, é
necessário que sejam realizados os levantamentos de dados, efetuados a partir
do aspecto geral da escrita, e que seja aplicado o método grafocinético,
que tomou lugar em substituição ao
tradicional e superado método da comparação morfológica[3].
Quanto ao exame de autenticidade gráfica, este apesar de ser complexo e
trabalhoso, normalmente, quando aplicada a correta
técnica, não traz consigo dificuldades para uma conclusão segura,
principalmente se há paradigmas de confrontos em quantidade suficiente, que
apresentem qualidade, sejam contemporâneos e que se tenha certeza das suas
autenticidades, as quais vão denotar as características grafocinéticas
individualizadoras do grafismo. Neste tipo de exame a
conclusão é dada a partir do exame de uma assinatura, no sentido de se afirmar
se é autêntica ou falsa, ou seja, se é proveniente do punho da pessoa que
grafou as assinaturas padrões.
Já ao que concerne ao exame de autoria gráfica, este sim poderá
apresentar maiores dificuldades, pois para ser realizado, a
peça de exame deverá ser constituída de considerável quantidade de
escritas, que contenham caracteres alfabéticos e possuam substância gráfica que
possa ser trabalhada. Também, se aplicam neste tipo de exame os requisitos dos
paradigmas de confrontos tal qual dos exames para a determinação de
autenticidade gráfica. Neste tipo de exame a conclusão é dada no sentido de se
identificar o autor das escritas.
É muito comum nos meios judiciais, em sendo a assinatura apócrifa, o
questionamento para saber quem foi o autor da falsificação. Nestes casos, quase
que invariavelmente, não há condições de se determinar tal assertiva, pois
quando o falsário perpetra o falso o faz copiando a forma de uma assinatura
matriz, que na maioria das vezes, contém pouco ou nenhum caractere alfabético,
e ou por ser a assinatura matriz composta somente por cetras e traços
ornamentais, apenas delineando trajetórias com o instrumento escritor.
Evidentemente cada caso deverá ser analisado separadamente e o perito
deve ser experiente e cauteloso o bastante para, em determinado caso in
concreto, descobrir o autor da falsificação. Por outro modo, o exame de autoria
gráfica é mais amplamente aplicável nas perícias em que envolvam grande
quantidade de grafismos, como no caso de escritas de cartas anônimas, de
preenchimentos de cheques e de notas promissórias, entre outros documentos.
De qualquer forma, para a conclusão da perícia grafotécnica, tanto a de
autenticidade gráfica quanto a de autoria gráfica, é necessário contar com
quantidade e qualidade de paradigmas para os confrontos. A perícia poderá
restar prejudicada nos casos em que haja insuficiência de padrões para o
levantamento das constantes e variáveis gráficas, ou ainda, no caso de
insuficiência de caracteres gráficos que não contenham substância gráfica.
[1] PICCHIA FILHO, José Del Picchia e
PICCHIA, Celso Del. Tratado de Documentoscopia. São Paulo: Universitária de Direito,
1976. p. 5 e 7.
[2] PERANDRÉA,
Carlos Augusto. A Psicografia à Luz da Grafoscopia. São Paulo: Editora Fé, 1991. p. 23.
[3] PICCHIA FILHO, José Del Picchia e
PICCHIA, Celso Del. Tratado de Documentoscopia. São Paulo: Universitária de Direito,
1976. p. 19.